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Morte encefálica: O dilema de aceitar a morte de um coração que bate

Interesse Social

Morte encefálica: O dilema de aceitar a morte de um coração que bate

Para tentar entendê-la começaremos pela definição da mesma dada em textos do Ministério da Saúde brasileiro: “(morte encefálica) É a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro” ou "morte baseada na ausência de todas as funções neurológicas". Ou seja, a constatação da ME ocorre quando o cérebro do paciente deixa de manifestar qualquer função, seja esta elétrica ou metabólica. Publicado em 24/10/2016

Invariavelmente o fenômeno “morte” é rejeitado pelos entes queridos de quem parte. É natural da índole humana o inconformismo com esta ruptura brutal que a natureza impõe aos seres vivos. Mais difícil ainda quando, por causas repentinas, seu ente querido vai parar em uma UTI e é visto corado, com o coração pulsando, quente e de tórax em movimento respiratório. Para o leigo, estes são os indicadores da vida e nossa razão se move pelo que captam nossos sentidos, portanto para a mãe que está vendo o filho respirar, sentindo seu calor e sua respiração, é ainda mais difícil acreditar que este já se fora. Eis um dilema extremo chamado “ME - morte encefálica” ou “morte cerebral”.

 

Para tentar entendê-la começaremos pela definição da mesma dada em textos do Ministério da Saúde brasileiro: “(morte encefálica) É a completa e irreversível parada de todas as funções do cérebro” ou "morte baseada na ausência de todas as funções neurológicas". Ou seja, a constatação da ME ocorre quando o cérebro do paciente deixa de manifestar qualquer função, seja esta elétrica ou metabólica.

 

O quadro de morte encefálica só pode ser confirmado pelo médico após a realização de exames padronizados pela resolução 1.480/97, do Conselho Federal de Medicina. Dois ou mais testes são feitos com intervalo de algumas horas e comprovam a inatividade elétrica e metabólica irreversíveis na cabeça do paciente.

 

Esses exames são baseados em sólidas e reconhecidas normas. Entre outras coisas, os testes incluem um exame clínico para mostrar que o paciente não tem mais reflexos cerebrais e não pode mais respirar por si próprio, diferente de um paciente em estado vegetativo, que ainda é capaz de comandar suas funções vitais e, em muitos casos, despertar. Na morte cerebral, despertar seria o mesmo que ressuscitar.

 

Sem o comando cerebral para as mais básicas funções de manutenção da vida, esta se torna impossível. Reflexos instintivos de autodefesa e funções como a respiratória estão entre as mais básicas nesta linha, e estas desaparecem nos casos de ME.

 

Se o cérebro não determina mais as funções vitais, por que o coração ainda bate?

O coração é um músculo autônomo e pode bater até quando retirado do corpo. A oferta de oxigênio é o que o induz a continuar ativo após a morte cerebral, e esta é suprida por respiradores eletrônicos, nos casos em que a morte ocorre em socorro hospitalar. Assim, com o sangue oxigenado mecanicamente, o coração pode bater por até alguns dias após a morte cerebral, e para imediatamente caso o respirador seja desligado. 

 

Qual a diferença entre “coma” e “morte encefálica”?

Nos casos de coma o paciente é considerado vivo, tanto clinica quanto legalmente, pois se retirado seu respirador ele terá reflexo de inspiração e seu cérebro ainda apresenta sinais de funções elétricas, metabólicas e circulação sanguínea, fatores não ocorrentes nos casos de ME.

 

Como se atesta a morte encefálica?

Assim que os médicos suspeitam que determinado paciente esteja nesta condição, vários testes são realizados. Os primeiros são testes clínicos de constatação de reflexos. Um deles é o de dilatação de pupila. Quando um feixe de luz como de uma lanterna é direcionado à pupila, esta se contrai e a não contração indica algo errado com este reflexo involuntário. Outro teste desta ordem é o de contato ocular. Quando algo toca a córnea um reflexo tende a forçar uma piscada como forma de defesa, mesmo em organismos desacordados, a ausência de reação é indicativa de problemas com esta defesa e seu comando cerebral. Ainda nos clínicos realizados no princípio dos testes de morte encefálica o médico injeta de forma brusca cerca de 20 ml de soro fisiológico no ouvido do paciente, esperando-se o mesmo que dos anteriores, uma ação reflexiva de defesa, sua ausência, juntamente com a dos anteriores, remetem os médicos a próxima etapa de testes que é a dos aparelhos de diagnóstico.

 

O teste de respiração citado acima é realizado como sequência. Este consiste em retirar o paciente da respiração por um determinado tempo que seria insuficiente para lesioná-lo, mas suficiente para que o organismo reagisse tentando respirar. Não havendo reação é indicativo de morte encefálica. Todavia como cada organismo tem uma necessidade diferente de oxigênio, no momento final deste tempo é colhido material para um exame gasométrico que deverá indicar um PaCO2 com níveis iguais ou maiores que 55mmhg, ponto em que o organismo deveria reagir.

 

Os testes seguintes são feitos com aparelhos para confirmar a ausência do fluxo sanguíneo ou da atividade cerebral e podem incluir o exame do fluxo sanguíneo (angiograma cerebral) ou um eletroencefalograma. Para garantir a segurança dos testes, pelo menos dois são feitos, e em espaço de tempo superior a seis horas entre eles, sendo o segundo obrigatoriamente realizado por especialista que não tenha sido responsável pelo primeiro.

 

O teste pode ter resultado mascarado por medicamentos sedativos?

Não. Para garantir que isto não ocorra, o protocolo de constatação de morte cerebral exige que os testes sejam feitos, pelo menos, seis horas após a aplicação do último sedativo e caso o mesmo tenha sido feito sem registro em prontuário, deverá o médico abrir nova janela de seis horas para evitar qualquer possibilidade de erro.

 

Quando um paciente é declarado morto?

No momento do diagnóstico da morte encefálica o paciente é declarado legalmente morto, mesmo que o respirador prossiga ligado e o coração batendo por horas ou dias. Esta é a hora que deverá constar no atestado de óbito.

 

Um paciente em morte encefálica pode sofrer?

Não. Quando alguém está morto, não sente dor e não sofre de maneira alguma, pois sentimentos negativos como dor ou agonia dependem do sistema nervoso para existir.

 

O que acontece após o diagnóstico de morte encefálica?

Todo o possível para salvar o paciente fora feito antes da declaração da ME que, declara, é irreversível. Apesar da dificuldade do momento, algumas decisões precisam ser tomadas pelos familiares dos pacientes, uma delas é a respeito da possibilidade de doação de órgãos. Profissionais de saúde preparados para este fim abordarão os familiares em busca desta permissão.

 

Contra fatos, há argumentos?

Como uma mãe entenderia como morto um filho corado, com pulso sanguíneo e respiratório.  Sua respiração é fato, sua pulsação é fato, sua temperatura é fato e, por outro lado, um médico argumenta que tudo aquilo não indica o que, normalmente, indicaria. Para fortalecer sua resistência ainda há fatores como os sentimentos de amor pelo ente, o desespero de sua ausência, o desejo de continuidade e uma infinidade de outras razões para não aceitar a despedida.

 

A filosofia de Teilhard de Chardin diz que a realidade não é como ela é, mas como ela se configura na mente do observador. E eis que para quem observa o ente querido em morte encefálica, vê realidade de vivo. Baseamos o saber na experiência que a nós é conferida, principalmente, por nossos sentidos, e eis que eles nos traem. Estamos diante de uma raríssima ocasião em que “contra fatos, sim, há argumentos”.

 

Por que, então, termina-se por aceitar os argumentos que contrariam os fatos?

Apesar da resistência natural de todo humano, por fim aceitamos a realidade baseada nos argumentos porque a cientificidade avaliza tais argumentos. A ciência está entre os fatores de maior peso em nossa cultura, pelo menos nos últimos três séculos, e ela consegue se sobrepor a nossas expectativas de realidade e até de nossas crenças. A própria Igreja Católica só admite um milagre quando a ciência não consegue explica-lo, se conseguir, é fato terreno que não transcende à vida.

 

Algumas fontes:

http://www.abto.org.br/abtov03/default.aspx?mn=472&c=915&s=0&friendly=entendendo-a-morte-encefalica

 

http://www.usp.br/espacoaberto/arquivo/2007/espaco80jun/0capab.htm

 

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/146morte_encefalica.html

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